Busca
Facebook Aventuras na HistóriaTwitter Aventuras na HistóriaInstagram Aventuras na HistóriaYoutube Aventuras na HistóriaTiktok Aventuras na HistóriaSpotify Aventuras na História
Matérias / Ayrton Senna

Adeus, Ayrton: Os detalhes emocionantes da morte de Senna

Confira os relatos comoventes de quem acompanhou a morte de Senna há exatos 30 anos no GP de San Marino: 'Não há mais esperança'

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 30/04/2024, às 20h00 - Atualizado em 03/05/2024, às 11h15

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Ayrton Senna - Montagem com fotos Getty Image
Ayrton Senna - Montagem com fotos Getty Image

Um segundo e três milésimos. Esse foi o tempo entre a Williams de Ayrton Senna se desgrudar da pista e bater violentamente no muro na curva Tamburello, no Grande Prêmio de San Marino, na cidade italiana de Ímola

Dados da telemetria mostram também que o piloto ainda tentou reagir durante 13 décimos de segundo. De acordo com Ernesto Rodrigues, autor da obra 'Ayrton: O Herói Revelado' (cuja nova edição acaba de ser lançada pela editora Tordesilhas), ele chegou a tirar o pé do acelerador, fazer correções no volante, encostar o pé na embreagem e ainda tocar no acelerador antes de frear violentamente. 

Com a manobra, o piloto brasileiro se espatifou no muro a 216 quilômetros por hora (em uma trajetória normal na pista, naquele trecho, os pilotos corriam a pouco mais de 307 km/h). Os dados ainda levam a crer que instantes antes da colisão, como num gesto instintivo, Ayrton tirou as mãos do volante e tentou se proteger.

"Não seria exagero imaginar que ele esperava escapar de mais um, depois de dez anos de Fórmula 1 e de pelo menos uma dezena de acidentes sérios. Mas um braço da suspensão dianteira direita da Williams, transformado em lança mortal no choque contra o muro, entrou pela viseira de Ayrton, desfigurando seu rosto e destruindo seu cérebro. O velho capacete amarelo, inútil para salvá-lo naquele dia, cumpriu um último papel. Poupou milhões de pessoas de uma imagem devastadora", narra Rodrigues

O carro de Senna após colisão - Getty Images

O dia 1º de maio de 1994, há exatos 30 anos, jamais sairá da memória de quem acompanhava aquele GP. Ímola se tornou o palco do último suspiro de um ídolo, deixando uma lacuna que jamais será preenchida nas manhãs de domingo para os brasileiros ou para qualquer outro fã de automobilismo. Naquele dia, perdemos Ayrton Senna!

Um conto de fadas

A temporada daquele ano marcava o início de um sonho e o fim de uma relação vitoriosa. Entre 1988 e 1993, Ayrton foi piloto da britânica McLaren, escuderia pela qual se tornou tricampeão mundial da categoria (1988, 1990, 1991). Mas, após dois anos com um carro inferior, o brasileiro assinou com a Williams, realizando seu sonho de ingressar na equipe dominante no início daquela década e atual bicampeã da Fórmula 1. 

Logo de cara, porém, o piloto foi pego de surpresa quando a Federação Internacional de Automobilismo (FIA) barrou os recursos eletrônicos do carro, como a suspensão ativa, além de trazer de volta o reabastecimento durante as corridas. 

Senna pouco antes do início do GP de San Marino - Getty Images

Apesar dos problemas graves do projeto da Williams, Senna foi pole position nas três corridas de início de temporada. Na abertura do ano, no GP do Brasil, em Interlagos, acabou abandonando na volta 55. Já na segunda prova, o GP do Pacífico, em Aida (Japão), a corrida do brasileiro terminou após uma batida com a Ferrari de Nicola Larini.

Em 1994, ele me disse: 'essa Williams é bem do planeta Terra'. Ele foi fazer os testes do carro lá em Portugal e percebeu que era bem diferente daquela Williams espetacular, vencedora de outro mundo", relembra o narrador Nilson César

Com 14 provas para o fim da temporada, Ayrton sabia que só havia uma única opção para o GP de San Marino, caso quisesse terminar o ano como campeão: vencer a qualquer custo.

Final de Semana Trágico

Como se fosse um presságio do que estava por vir, o clima no Grande Prêmio de San Marino começou a ficar tenso logo nos treinos de sexta-feira. Durante a sessão da tarde, o brasileiro Rubens Barrichello, ainda em seu segundo ano na categoria, sofreu um impressionante acidente.

+ GP de Ímola 1994: O final de semana mais triste da história da Fórmula 1

Na direção da Jordan nº 14, Rubinho passou por cima de uma zebra (nome dado às marcações que dão limite à pista), voou e se chocou com o topo de uma barreira de pneus na curva Variante Bessa. Apesar do forte impacto, ele sofreu apenas uma luxação na costela e uma fratura no nariz. 

O dia seguinte foi ainda pior, de luto. Durante os treinos classificatórios de sábado, o austríaco Roland Ratzenberger, que corria pela Simtek, bateu violentamente após sua asa dianteira colapsar na reta que ligava as curvas Tamburello e Villenueve, a uma velocidade aproximada de 315 quilômetros por hora.

O carro ficou destruído do lado esquerdo e as lesões cerebrais foram fatais. Ratzenberger foi levado às pressas até o Hospital Maggiore de Bolonha e sua morte foi anunciada oito minutos depois — fato que até hoje gera polêmicas.

"Existe uma lei na Itália que diz que, quando um piloto morre dentro de uma praça esportiva, o evento não pode ser realizado. E o que aconteceu? Quando eles tiraram o Ratzenberger dentro do autódromo, ele já estava morto, mas anunciaram a morte dele só no Hospital Maggiore, em Bolonha, para que a prova fosse realizada", contextualiza Nilson

A perda teve uma enorme repercussão entre os pilotos, que cogitaram seriamente não correr no dia seguinte, naquele domingo, 1º de maio. O fato foi relembrado pela apresentadora Adriane Galisteu, à época namorada de Ayrton, em entrevista à Aventuras na História em 2020.

Eu falei para ele no telefone: 'Ayrton, só tem uma pessoa que pode acabar com essa corrida, que é você. Você pode simplesmente ter uma dor de barriga, estar indisposto'. Mas ele jamais iria mentir. Imagina! E ainda me disse: 'Se eu não corro, não vou pontuar'. Ele sempre encontrava justificativa para correr. Esse era o grande sonho da vida dele", conta ela. 

Apesar da tentativa, a corrida aconteceu. E logo no início, mais um acidente. Ainda no grid, a Benetton de J.J. Lehto não largou e o piloto Pedro Lamy, da Lotus, a atingiu na traseira. O impacto fez com que um pneu se soltasse, atravessasse a cerca que protegia a pista e atingisse quatro espectadores. O episódio fez com que o Safety-Car ficasse na pista até o final da quarta volta.

Na sexta, Senna, que havia conquistado a pole e era o líder da prova, havia alcançado o melhor tempo da corrida. No início da volta seguinte, entretanto, ele perdeu o controle do carro, seguiu reto e bateu contra um muro na curva Tamburello. O impacto foi tão forte que o carro de Senna rodou e quase retornou para a pista.

O piloto brasieliro Ayrton Senna/ Crédito: Getty Images

Logo, a bandeira vermelha foi erguida e a equipe médica foi deslocada até o local do acidente. De longe, uma câmera de TV flagrou Senna mexendo levemente a cabeça. Naquela altura, o mundo todo respirava, aliviado, imaginando que aquilo seria um sinal de que estava tudo bem com o brasileiro. Pura ilusão. 

"Quando o vi batendo o carro, desliguei a televisão imediatamente e fui tomar banho, pensando que ele chegaria mais cedo em casa", disse Galisteu, sobre como assimilou o acidente em um primeiro momento. "Eu estava tão acostumada a ver aquilo acontecer que se tornou uma rotina, não me machucava mais. Na minha cabeça, ele jamais morreria fazendo aquilo que mais gostava de fazer. Então eu não dei bola para aquele acidente." 

Nilson César teve uma percepção totalmente diferente no momento da colisão. "Quando o Ayrton bateu e eu percebi que ele ficou no carro, a minha expressão foi: 'Nossa Senhora, é grave. O acidente é grave'. Se fosse um acidente qualquer, ele sairia imediatamente do carro".

Eu percebi naquele instante que havia uma gravidade imensa, porém, mesmo percebendo aquilo, tive que narrar a corrida até o final. As notícias que vinham do Hospital Maggiore de Bolonha não eram nada animadoras", continua.

Não há mais esperanças

O movimento da cabeça de Ayrton não era um sinal de alento. Havia sido causado por um profundo dano cerebral. Ainda na pista, Sid Watkins, chefe da equipe médica da Fórmula 1, constatou que o piloto havia perdido massa encefálica e realizou uma traqueostomia em Senna, que também sofreu uma parada cardíaca.

Segundo Ernesto Rodrigues, Watkins, chamado de 'anjo da guarda dos pilotos', relatou um quadro de morte cerebral irreversível em Ayrton. "O rosto daquele jovem amigo que vivia agradecendo a Deus por nunca ter sofrido uma fratura sequer, em dez anos de Fórmula 1, tinha fraturas múltiplas e profundas. O sangue abandonava seu corpo rapidamente, em grande quantidade." 

O impacto foi tamanho que chegou a romper a barra de suspensão da Williams, fazendo com que a peça atingisse a testa do piloto depois de furar a viseira do capacete. "Se tivesse batido em qualquer outra parte do acessório, acredito que o Ayrton ainda estaria vivo hoje, aqui entre nós", lamenta Nilson César. 

Equipe de resgate socorrendo Ayrton / Crédito: Getty Images

A disputa da corrida foi paralisada para o socorro do brasileiro. Senna foi atendido ainda na pista e levado de helicóptero para o Hospital Maggiore de Bolonha. No trajeto de 12 minutos, Senna ainda foi submetido à outra traqueostomia e perdeu uma grande quantidade de sangue.

Por volta das 18h05, no horário da Itália (ou 13h05 no Brasil), a médica Maria Teresa Fiandri fez um anúncio para os jornalistas à espera no hospital: "O eletroencefalograma de Ayrton Senna não registra nenhuma atividade. Continuamos com a ventilação pulmonar. Senna tem morte cerebral. Nós o mantemos vivo apenas porque a lei italiana assim o exige. Não há mais esperança".

Cerca de uma hora depois, a doutora voltou a pedir a atenção para fazer o anúncio derradeiro: "Às 18h40 ele não apresentava mais atividade cardíaca. Ayrton Senna está morto". 

Foi um sentimento de grande perplexidade a hora em que ela falou para todos nós: 'Adesso è morto (ele está morto agora)", recorda Nilson. "Um vazio imenso surgiu entre nós, perplexos, porque a gente acompanhava esse rapaz em todas as partes do mundo, praticamente em todas as corridas."

Adeus, Senna

O corpo de Ayrton só deixou a Itália após três dias, quando o brasileiro foi transportado para Guarulhos, em São Paulo, após conexão com o Aeroporto Charles De Gaulle, em Paris. Em solo brasileiro, ele foi transportado em um carro do Corpo de Bombeiros até a Assembleia Legislativa, num percurso de cerca de 30 quilômetros entre o aeroporto e o local do velório.

O cortejo durou duas horas e meia e atraiu filas de carros que se estenderam por até 6 quilômetros. Milhares de pessoas também se espalharam ao longo do caminho, reverenciando Ayrton com palmas, acenos, cantos e, claro, muitas lágrimas. 

+ Velório de Senna inspirou cena comovente de Homem de Ferro 3

Senna foi velado entre os dias 4 e 5 de maio, diante da visita de mais de 240 mil pessoas. Da Assembleia, seu caixão seguiu até o Cemitério do Morumbi, quando foi acompanhado por cerca de 1 milhão de fãs.

Capacete de Senna em seu velório - Getty Images

O piloto foi sepultado no jazigo 11, quadra 15, setor 7. Alain Prost, Gerhard Berger, Emerson Fittipaldi, Jackie Stewart, Rubens Barrichello, Christian Fittipaldi e Derek Warwick carregaram o caixão até o lugar protegido do sol por dois toldos. Tempos depois, Prost confidenciou ao biógrafo Ernesto Rodrigues que se emocionou especialmente quando o caixão desceu à sepultura: "Eu chorei naquele momento".